Não existe democracia plena sem a advocacia
Celebrar a Semana da Advocacia¹ é celebrar, de certa
maneira, a própria democracia.
Não é exagero dizer que a profissão tem uma relação quase
simbiótica com o Estado Democrático de Direito. Afinal, regimes ditatoriais e
totalitários também são capazes de policiar, investigar, julgar e punir seus
cidadãos, mas somente a democracia consagra os direitos ao devido processo
legal, à ampla defesa e à presunção de inocência.
A livre atuação da advocacia está, portanto, no próprio
cerne daquilo que diferencia o funcionamento da Justiça como espaço de garantia
da continuidade democrática. Onde advogados não podem exercer plenamente suas
funções, não há democracia. E onde viceja o autoritarismo, o livre exercício da
nossa profissão se torna alvo preferencial de restrições e assédio, por vezes
declarados e, mais comum, velados – disfarçados sob discursos de “interesse
público” ou necessidades de efetivas burocracias judiciárias.
A história recente brasileira ilustra bem o ponto.
A ditadura militar (1964-1985) perseguiu profissionais da
advocacia e juristas, violou seus sigilos telefônicos, interceptou suas correspondências,
prendeu-os.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) desempenhou papel
fundamental na luta pela redemocratização do país. Esse posicionamento firme
cobrou um preço. A instituição foi vítima de ataques, incluindo um atentado à
bomba na sede do Conselho Federal da OAB que vitimou a secretária Lyda Monteiro
da Silva, em 1980.
A duras penas, conquistamos a Constituição de 1988, dando
início ao maior e mais estável ciclo democrático de nossa história. Há mais de
três décadas, as brasileiras e os brasileiros podem se expressar livremente e
debater suas visões de mundo, organizar-se politicamente e participar de
eleições limpas, com transições pacíficas entre os governos.
Essa estabilidade institucional foi de suma importância para
que o país crescesse e melhorasse uma série de indicadores. Ainda enfrentamos
mazelas sociais gravíssimas, além de figurarmos entre as nações mais desiguais
do mundo, mas não há dúvida de que o país que somos hoje é muito diferente –
mais desenvolvido e mais relevante no cenário global – do que aquele que
promulgou a Constituição Cidadã em 1988.
Essas conquistas estão sob ameaça, pelo menos, sob severa
contestação. O Brasil vive uma situação de esgarçamento de suas instituições e
de estreitamento do espaço do debate público, representado, por exemplo, nos
ataques infundados ao sistema eleitoral.
A confiabilidade das urnas eletrônicas vem sendo questionada
de maneira leviana, apesar de todos os esforços da Justiça Eleitoral em
reiterar a segurança do sistema, testado à exaustão por especialistas e
legitimado por representantes de todos os partidos políticos, ao longo de
dezenas de pleitos.
Após mais de três décadas de estabilidade, o país se
aproxima de uma eleição majoritária sob o manto da incerteza. O que está em
jogo é a continuidade da nossa democracia, no que se inclui o dever de
aperfeiçoá-la e adaptá-la às demandas da sociedade contemporânea. Porém, sem
retrocessos.
Nesse contexto, celebrar a Semana da Advocacia em 2022²
implica reiterar o compromisso da Ordem dos Advogados com a defesa do regime
democrático instituído pela Carta de 1988.
O direito ao voto, o respeito ao processo eleitoral, a
sucessão natural de governantes, o pluralismo político, liberdade de expressão
e de imprensa, as garantias individuais inscritas na Constituição: todos esses
são valores inegociáveis.
O lançamento da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em
Defesa do Estado Democrático de Direito” foi um ato suprapartidário e espontâneo, assinado por
centenas de milhares de pessoas, sendo síntese desse compromisso público.
É simbólico que esse manifesto tenha nascido na Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, a mais antiga do país. O que se vê, mais
uma vez, é o senso de responsabilidade do campo jurídico com a defesa da
Constituição, conquista maior do povo brasileiro em sua história recente.
Nesta semana, em homenagem a advocacia que trabalha pela construção do regime democrático no Brasil, desde o dia a dia nos pequenos fóruns, pequenas comarcas, delegacias de polícia, repartições públicas e tribunais, passando por Parlamentos, instituições e por toda arena pública em que a democracia com direitos é sucessivamente garantida, a Seccional Paulista da OAB reafirma que não irá aceitar retrocessos.
Artigo: Patricia Vanzolini (presidente da OAB SP) e
Leonardo Sica (vice-presidente da Seccional).

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