Editorial

Quando usam Deus como cabo eleitoral

As eleições do Conselho Tutelar mais uma vez demonstram que o clientelismo político prospera sob a vista grossa das autoridades públicas em Itapeva.

O clientelismo político municipal no que se refere às eleições do Conselho Tutelar se fundamenta na prática nas relações entre vereadores e entidades religiosas evangélicas, que serviram como colegiado eleitoral para eleger determinados conselheiros.

Tendo em vista que o clientelismo político é uma prática comum na política nacional desde os primórdios da fundação da República no Brasil, tudo leva a crer que ainda estamos muito distantes de romper com essa tradição do passado. Uma tradição que perverte o funcionamento de órgãos públicos e entidades religiosas muitas vezes, transformando o acesso a cargos públicos em moeda de troca de favores entre grupos políticos estruturados inclusive dentro de entidades religiosas, as quais deveriam dedicar-se não a política, mas sim ao serviço de base social e beneficente sem possuir intenções e finalidades políticas.

Incontestavelmente adotando a prática do clientelismo político muitas lideranças religiosas de Itapeva transformaram suas congregações evangélicas em bases eleitorais tanto para vereadores como para conselheiros tutelares. O reflexo dessa prática não afeta apenas negativamente a participação das igrejas na política, mas torna muitas congregações em unidades de prospecção de votos para qualquer espécie de certame eleitoral.

Ano passado, nas eleições para Presidente da República, as congregações evangélicas, principalmente as pentecostais, formaram uma base eleitoral conservadora radical de ideologias de extrema direita, tornando muitas vezes os cultos em palanques eleitorais abertos para angariar votos para Jair Bolsonaro e candidatos a deputados estadual e federal associados ao reacionarismo de direita. A Justiça Eleitoral pouco ou nada fez para fiscalizar ou coibir essa prática.

Em menor escala, porém de forma bastante perceptível, em Itapeva vereadores e militantes políticos ligados a Igreja Católica também vem adotando a mesma linha de conduta, buscando transformar paróquias em redutos eleitorais, à exemplo do que se consolidou no meio evangélico. Gradativamente se nota que a militância de padres e paroquianos engajados na política partidária se torna cada vez mais ativista, defendendo pautas relacionadas às agendas sociais e defesa de valores morais pela via do discurso político convencional e não pela pregação pastoral com fundamento teológico.

O fortalecimento desse modelo de atuação política dentro do contexto das igrejas amplifica a demanda clientelista na política municipal, inclusive dentro das comunidades religiosas, uma vez que tornam as comunidades e entidades religiosas uma porta de entrada segura para que pessoas interessadas em buscar protagonismo em carreiras políticas participem ativamente das comunidades. Em resumo, da mesma forma que foram pedidos votos para candidatos de direita dentro de cultos, ano passado, o mesmo foi operado nas eleições do Conselho Tutelar deste ano, que se tornou por sua vez em laboratório e trampolim para pretensão de candidatos a vereança no próximo ano eleitoral.

Se existe a necessidade de cobrar atenção do Ministério Público sobre esse contexto, para fins de fiscalização no tocante a possibilidade de cooptação de votos para eleição do Conselho Tutelar, há mais necessidade de cobrar maior atenção das lideranças religiosas regulares que permitem que comunidades de fé se desfigurem se tornando em comunidades de barganha política, com evidente intuito de eleger candidatos e apoiar lideranças políticas associadas às comunidades.

Na antiguidade, inclusive dentro do próprio discurso bíblico, o poder político sempre teve um fundamento religioso, mas isso não significa que o trono e o altar são aliados um buscando a adesão e a cumplicidade um do outro, porque isso seria uma forma fundir realidades completamente distintas e incompatíveis entre si em razão de suas próprias naturezas. Em síntese, seria unir forçosamente o mundano ao sagrado.

Hoje a sociedade presente convive politicamente dentro um sistema constitucional e republicano, com a Igreja separada do Estado há muito tempo, perante isso pressupõe-se que as entidades religiosas devam se preocupar mais com a qualificação espiritual de  suas vocações religiosas, ao invés de se tornarem em unidades de propagação de fé não em Deus, mas sim em ídolos políticos em busca do poder e cargos, chegando ao ponto de servirem como cabos eleitorais ou ponto de partida de carreiras políticas.

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