Política

Cheque em branco para o futuro o preço oculto do empréstimo milionário que a Câmara de Itapeva está prestes a aprovar

Itapeva está à beira de assinar, com tinta invisível e cheiro de endividamento, um compromisso de proporções históricas. O que se vende como “solução estruturante” pode, na verdade, se revelar um fardo oculto que desafiará não só esta gestão, mas as próximas duas que virão. E o mais intrigante? A pressa. A cerimônia com que a prefeita Adriana Duch — com um discurso ensaiado e argumentos de manual — tenta empurrar goela abaixo um empréstimo de R$ 30 milhões junto à Caixa Econômica Federal, via programa FINISA, se dá numa velocidade que não combina com a complexidade do projeto.

Nas entrelinhas do Projeto de Lei nº 56/2025, tudo parece inofensivo: aquisição de máquinas, caminhões, ambulâncias, recapagens, promessas embaladas como panaceia administrativa. Mas o diabo, como sempre, mora nos detalhes. O que se esconde por trás da linguagem branda e do tom otimista é o risco cravado em cada cláusula — do uso como garantia dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) à margem estreita para negociação futura das finanças públicas.

E não há mágica que transforme dívida em prosperidade sem planejamento estratégico. O empréstimo será pago ao longo de uma década, com doze meses de carência e amortizações escalonadas. A prefeita afirma que as parcelas “cabem no orçamento”, como se o orçamento municipal fosse um organismo elástico, imune a crises econômicas, quedas de arrecadação, mudanças legislativas ou colapsos setoriais. Fala em modernizar a frota, como se um novo caminhão substituísse a ausência de planejamento urbano. Garante que a medida respeita a Lei de Responsabilidade Fiscal, como se esse cumprimento mínimo fosse atestado de eficiência.

O problema, portanto, não está na finalidade declarada, mas na forma, no momento e, sobretudo, na ausência de garantias à população. Não há, no projeto, estudo técnico público que mensure o impacto da operação sobre o índice de endividamento municipal. Não há audiência com a sociedade, tampouco análise econômica que calcule a real economia gerada pela substituição de frotas locadas por veículos próprios. A pressa da gestão Duch em aprovar o projeto e a velocidade com que certos vereadores se alinham ao plano lembram mais uma operação orquestrada do que uma política pública debatida.

E é aqui que os nomes ganham relevo.

A Câmara de Itapeva está dividida, e os votos favoráveis já são conhecidos: Greice Dornelas, Val Santos, Lucinha Woolck, Coquinho, Marinho, Vanderlei Pacheco, Julio Ataíde, Tiago Leitão e Margarido formam a linha de frente da base governista. É deles a caneta que carimbará o endividamento que será pago não por eles, mas pelos contribuintes — esses mesmos que, até hoje, se equilibram entre buracos no asfalto e postos de saúde em frangalhos. A responsabilidade histórica é intransferível.

Não se trata de oposição por esporte. Trata-se de uma análise responsável do texto legal. A proposta de crédito não define critérios objetivos para aquisição dos bens. Não há lista de prioridades, não há plano logístico de aplicação dos equipamentos nem cronograma público de execução. Tudo está redigido de forma vaga, permitindo que qualquer futura irregularidade se esconda sob o manto do genérico. Além disso, o texto autoriza a vinculação de receitas de transferências constitucionais — como o FPM — para garantir o pagamento da dívida, amarrando o caixa municipal à Caixa Econômica por uma década. E, se houver inadimplência, a União cobre, mas cobra. Com juros, com bloqueio, com sanções.

A justificativa apresentada ao Legislativo é uma ode ao otimismo: “redução de custos com manutenções emergenciais”, “ganho de eficiência”, “modernização”. Tudo no condicional. A prefeita assume que herdou uma frota sucateada, mas nada explica por que levou três anos para propor solução. Esperou o início do último biênio de mandato para vender a imagem de prefeita que resolve. E resolveu como? Com um empréstimo que transfere o problema — e o pagamento — para quem vier depois.

O argumento de que a operação se insere dentro dos limites legais é frágil como papel molhado. Seguir a Lei de Responsabilidade Fiscal é o mínimo. A dúvida que paira sobre a operação do FINISA não é sua legalidade, mas sua conveniência, sua necessidade real, e sua consequência estrutural. Em um município que mal consegue cumprir metas básicas de saneamento e mobilidade, comprometer o FPM por dez anos é uma decisão temerária. É como usar o cheque especial para reformar a cozinha de casa enquanto as paredes do quarto estão desabando.

Em paralelo, a prefeita Duch encaminhou à Câmara o Projeto de Lei nº 55/2025 — uma proposta de implantação do IPTU progressivo no tempo. Trata-se de um instrumento previsto no Estatuto da Cidade para combater imóveis ociosos, o que à primeira vista parece uma medida corajosa. No entanto, quando lido em conjunto com o projeto do empréstimo, o movimento revela sua verdadeira face: ampliar a arrecadação futura para garantir a cobertura da operação financeira contratada hoje. Traduzindo: primeiro se contrai a dívida, depois se aperta o contribuinte.

Se o PL 56 endivida, o PL 55 tributa. Um é a lança, o outro é o escudo. Os dois juntos compõem uma equação de sufoco: de um lado, um município endividado; de outro, uma população penalizada. O PL 55 não é inconstitucional, mas sua aprovação em paralelo ao pedido de financiamento revela que não há milagre — haverá cobrança. O proprietário de um terreno ocioso em Itapeva terá seu IPTU multiplicado por até sete vezes em cinco anos. Caso não edifique, poderá ter o imóvel desapropriado com pagamento em títulos. Tudo perfeitamente legal. Tudo perfeitamente oportuno… para o caixa da prefeitura.

Resta perguntar: os vereadores que prometem levantar as mãos em nome do progresso já fizeram esse cálculo? Já consideraram os impactos econômicos dessa combinação de endividamento e elevação de carga tributária? Já conversaram com os pequenos proprietários, os comerciantes, os prestadores de serviço, os moradores dos bairros periféricos, que, em última análise, serão os primeiros atingidos quando faltar dinheiro para saúde, transporte ou merenda escolar, porque parte do FPM estará reservada para pagar parcela de caminhão-pipa comprado em 2025?

O papel do vereador não é agradar prefeitos. Não é sacramentar toda proposta como se a Câmara fosse um balcão de carimbos. O parlamentar eleito deve representar o povo — e fiscalizar, questionar, ponderar. Aprovar uma operação de crédito de R$ 30 milhões sem debates públicos, sem audiências, sem estudos técnicos amplamente divulgados, é negligência com a transparência e desprezo com a inteligência do eleitor.

É curioso notar que muitos dos vereadores favoráveis ao projeto não se destacaram ao longo da legislatura por sua atuação fiscalizatória. Alguns sequer manifestaram posição crítica durante as maiores crises do município, preferindo o silêncio conveniente ao confronto necessário. Agora, surgem como entusiastas de uma proposta que compromete o futuro fiscal de Itapeva, como se, finalmente, tivessem descoberto a fórmula do desenvolvimento — e ela coubesse em 30 milhões de reais parcelados em 120 vezes.

Talvez a prefeita tenha feito seu cálculo político com precisão. Sabe que, com a oposição dispersa e a base coesa, o projeto deve passar sem sobressaltos. Mas cada voto favorável é, na verdade, um recibo de corresponsabilidade. É o nome desses vereadores que estará estampado nos arquivos públicos quando o Tribunal de Contas quiser saber por que Itapeva aumentou sua dívida consolidada líquida em pleno ano de instabilidade econômica nacional. É o nome desses vereadores que será lembrado quando, daqui a cinco anos, o orçamento apertado não comportar reajuste salarial, compra de remédios ou manutenção de escolas.

Na política, não basta ter boas intenções. É preciso ter responsabilidade. E responsabilidade não é repetir o mantra de que “todo município se endivida”, mas sim perguntar: é o melhor momento? É a melhor forma? É o melhor caminho?

Enquanto isso, a população observa. Talvez não com a intensidade que o tema merece, talvez anestesiada por discursos bem ensaiados, talvez cansada de promessas. Mas o estrago de uma decisão mal tomada não respeita mandatos. Ele se prolonga, ele se perpetua, ele custa caro.

E quando a ressaca do FINISA bater, quando os boletos começarem a chegar, será tarde para arrependimentos. Porque dívida, diferente de discurso, não se apaga com palavras. Se paga com suor. Com corte. Com sacrifício.

E este, infelizmente, será exigido de quem menos tem culpa.

 

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