Política

Relatório da CEI expõe indícios de superfaturamento e manipulação em contrato milionário da limpeza urbana

Relatório final será enviado ao Ministério Público, Tribunal de Contas e Gaeco; documento cita possível superfaturamento e falhas na contratação emergencial

A Comissão Especial de Inquérito (CEI) 02/2025, instaurada para apurar a contratação emergencial de serviços de capina, roçada e manutenção de áreas verdes pela Prefeitura de Itapeva, encerrou nesta quarta-feira (13) três meses de apurações. No relatório final, aprovado por unanimidade, os vereadores apontam indícios de irregularidades na execução e medição dos serviços, além de possíveis sobrepreços que podem ter causado prejuízo aos cofres públicos.

A investigação teve início no fim de maio e analisou o contrato firmado com a empresa Cicelio Felix da Silva, sediada em Rancharia, a cerca de 340 quilômetros de Itapeva. Contratada por dispensa de licitação, a empresa poderia receber até R$ 1,5 milhão pelo serviço. Segundo o relatório, a forma como se deu a contratação, a medição das áreas atendidas e a forma de pagamento levantam suspeitas de manipulação de dados e de arredondamento de valores para aumentar a cobrança. Há ainda a menção a um pedido de adulteração em registros, o que, de acordo com a comissão, afronta princípios constitucionais da administração pública, como legalidade, moralidade e eficiência.

De acordo com o presidente da CEI, vereador Dr. Marcelo Poli (PL), o trabalho foi conduzido de forma técnica, com base na análise de documentos, planilhas de medição, termos contratuais e dados sobre a área abrangida. “Conseguimos apurar valores, responsabilidades e todos os passos do processo de contratação. Nosso papel foi apresentar os fatos com fundamentação jurídica. Agora, cabe aos órgãos competentes dar prosseguimento às investigações”, afirmou.

O relatório será lido na sessão ordinária desta quinta-feira (14) e, na sequência, encaminhado à Promotoria de Justiça de Itapeva, ao Tribunal de Contas do Estado, ao Procurador-Geral de Justiça, ao Tribunal de Justiça, ao Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), além do corregedor e do controlador-geral do município. Entre as conclusões, o documento recomenda que sejam apuradas responsabilidades administrativas, civis e criminais.

Ao longo dos trabalhos, a CEI realizou 13 reuniões, 24 oitivas e expediu nove ofícios. Além de Dr. Marcelo Poli, integraram o grupo a vice-presidente Val Santos (PP), o relator Ronaldo Coquinho (PL) e as vereadoras Áurea Rosa (PP) e Gleyce Dornelas (Novo). Para os parlamentares, as provas reunidas demonstram a necessidade de investigação aprofundada por parte dos órgãos de controle, a fim de confirmar ou afastar a suspeita de superfaturamento e irregularidades na contratação emergencial.

A prefeitura de Itapeva ainda não se manifestou oficialmente sobre o teor do relatório. Caso as irregularidades sejam confirmadas, os envolvidos poderão responder por improbidade administrativa e outras sanções previstas em lei.

Ao longo de três meses de apuração, a Comissão Especial de Inquérito 02/2025 mergulhou em um minucioso levantamento documental e testemunhal. Foram realizadas 13 reuniões oficiais e 24 oitivas, envolvendo desde servidores de escalões intermediários até gestores diretamente vinculados ao contrato sob suspeita. A base jurídica e metodológica utilizada incluiu dispositivos da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) e princípios constitucionais de moralidade, legalidade e eficiência, o que confere robustez à peça final.

O foco central recaiu sobre o contrato emergencial firmado com a empresa Cicelio Felix da Silva, sediada em Rancharia, distante cerca de 340 quilômetros de Itapeva. A contratação, com teto de até R$ 1,5 milhão, foi formalizada sem licitação sob alegação de urgência para execução de serviços de capina, roçada e manutenção de áreas verdes. A dispensa de licitação foi sustentada por justificativa de caráter emergencial — mecanismo previsto em lei, mas que, como apontou o relatório, exige comprovação inequívoca da urgência e da impossibilidade de se realizar um certame regular no prazo.

O relatório final da CEI aponta que essa comprovação não foi satisfatoriamente apresentada. A documentação entregue pela Prefeitura mostrou lacunas na fundamentação do “estado de emergência”, e, pior, revelou inconsistências no planejamento prévio da gestão, indicando que a situação poderia ter sido prevista e contornada com um processo licitatório convencional. Esse ponto é central: a ausência de um planejamento adequado não configura, por si só, emergência legítima — trata-se, segundo o relatório, de “falha de gestão que não autoriza a excepcionalidade prevista na lei”.

Outro elemento crítico identificado foi a medição das áreas efetivamente atendidas. Depoimentos colhidos pela CEI e confrontados com documentos apontam que os boletins de medição — instrumentos que servem de base para o pagamento — teriam sido preenchidos de forma a beneficiar a contratada, com supostos arredondamentos para cima e, em ao menos um caso relatado por testemunha, pedido de adulteração dos dados. A metodologia de conferência também foi questionada: não havia georreferenciamento, fotografias obrigatórias ou outro método objetivo que pudesse afastar dúvidas sobre a real execução do serviço.

O relatório menciona, ainda, a possibilidade de superfaturamento, sustentada pela comparação entre valores pagos e a média de preços praticados em contratos semelhantes em outros municípios. Embora não haja, no momento, prova pericial conclusiva, os indícios levantados foram considerados suficientemente relevantes para encaminhamento do caso ao Tribunal de Contas do Estado e ao Ministério Público. A comissão observa que “a conjugação de falhas formais, ausência de controles efetivos e indícios de sobrepreço” justifica a continuidade das investigações em âmbito jurídico e criminal.

Durante as oitivas, ficou evidente que havia descompasso entre a fiscalização interna e a execução contratual. Servidores responsáveis pelo acompanhamento afirmaram que suas rotinas eram mais “cartoriais” do que operacionais — limitavam-se a receber relatórios da empresa, sem efetiva checagem em campo. Esse modelo, segundo o presidente da CEI, Dr. Marcelo Poli, “fragiliza qualquer contrato público, abrindo brecha para prejuízos ao erário”.

Ao final desta etapa, a comissão consolidou um quadro de irregularidades interligadas:

  1. Fundamentação precária para a dispensa de licitação;
  2. Planejamento deficiente, que contribuiu para a alegada emergência;
  3. Falta de mecanismos técnicos de fiscalização;
  4. Indícios de manipulação nos boletins de medição;
  5. Valores possivelmente acima do mercado para serviços de mesma natureza.

Esses achados não apenas sustentam o encaminhamento do caso aos órgãos de controle, como reforçam a necessidade de revisão dos procedimentos internos da Prefeitura. Para a CEI, a simples troca de empresas ou o encerramento do contrato investigado não resolve o problema — é preciso alterar a cultura administrativa que permite que contratações excepcionais, previstas para situações realmente urgentes, sejam utilizadas como atalhos administrativos.

O encerramento da CEI da Limpeza Urbana marca apenas o fim da fase legislativa de apuração. Na prática, o relatório aprovado na Câmara de Itapeva inaugura um novo ciclo, agora sob a esfera do Ministério Público, do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) e, eventualmente, do Poder Judiciário. A partir da remessa do documento, caberá a essas instituições aprofundar as linhas de investigação que, até aqui, se basearam em indícios robustos, mas ainda não confirmados por perícias ou auditorias independentes.

Do ponto de vista jurídico, os encaminhamentos podem tomar diferentes rumos:

  • No âmbito cível, é possível a instauração de Ação de Improbidade Administrativa, caso seja comprovado que agentes públicos ou privados violaram princípios como legalidade, moralidade e eficiência, causando dano ao erário ou obtendo vantagem indevida.
  • No âmbito penal, a depender das provas colhidas, podem surgir imputações relacionadas a crimes como fraude em licitação (art. 337-E do Código Penal, incluído pela Lei nº 14.133/2021), falsidade ideológica e associação criminosa.
  • No âmbito administrativo, o TCE-SP poderá impor sanções que vão desde multas até a declaração de inidoneidade da empresa contratada, impedindo-a de participar de licitações por determinado período.

Há, também, o fator político. Ao colocar sob suspeita um contrato de grande vulto assinado pela atual gestão, a CEI lança luz sobre o uso recorrente de contratações emergenciais — expediente que, embora legal, vem sendo criticado por fragilizar o controle social e reduzir a competitividade dos processos licitatórios. Essa crítica se soma a um contexto em que o Legislativo municipal, pressionado por casos anteriores como o das notas frias na gestão Cavani, vem ampliando sua atuação fiscalizadora.

O relatório aprovado não se limitou a narrar fatos: ele estabelece um nexo causal entre as falhas de gestão e o possível dano ao erário, apontando que a ausência de planejamento para serviços recorrentes, como a limpeza urbana, é um fator que contribui para a perpetuação de “emergências fabricadas”. Essa expressão, utilizada em depoimento por um dos vereadores, sintetiza a tese de que a Administração teria se valido da excepcionalidade não para sanar um problema imprevisto, mas para encurtar etapas formais de contratação.

Outro aspecto relevante é a recomendação para que a Prefeitura adote métodos mais transparentes de fiscalização, incluindo georreferenciamento, registro fotográfico das áreas atendidas e cruzamento digital de medições. Essas sugestões, embora não tenham caráter vinculante, representam um pressuposto de boa governança e poderão ser cobradas politicamente em futuras contratações.

Internamente, o caso também pode gerar desdobramentos administrativos. Servidores mencionados nos depoimentos, seja por ação ou omissão, podem ser alvos de sindicâncias internas ou processos disciplinares, especialmente se ficar comprovado que houve negligência na conferência dos boletins de medição. Na esfera política, vereadores que participaram da CEI devem capitalizar o trabalho como demonstração de fiscalização ativa, ao passo que aliados do Executivo tendem a relativizar os achados, alegando que “indício não é prova” e que a conclusão caberá ao Judiciário.

O peso simbólico dessa investigação não deve ser subestimado. Itapeva já viveu, na última década, episódios de desgaste institucional com repercussão regional, e o fato de a CEI ter encontrado elementos que lembram padrões vistos em outras crises administrativas reforça a percepção de que há gargalos estruturais na gestão dos contratos públicos. A diferença, agora, é que o caso chega aos órgãos de controle com um dossiê técnico, produzido no próprio Legislativo, o que aumenta a expectativa de responsabilização.

No campo prático, as próximas semanas serão decisivas. Assim que o relatório for protocolado no Ministério Público, a Promotoria poderá solicitar medidas cautelares como bloqueio de bens dos investigados, quebra de sigilos bancários e fiscais e requisição de documentos complementares. O TCE-SP, por sua vez, pode abrir tomada de contas especial para quantificar com precisão o eventual prejuízo aos cofres municipais. Essas ações, se confirmadas, dariam ao caso um novo patamar de gravidade e visibilidade.

A divulgação do relatório final da CEI da Limpeza Urbana impôs ao Executivo municipal e à empresa Cicelio Felix da Silva o desafio de responder a um documento carregado de acusações, sustentado por depoimentos, documentos e análises técnicas. Ainda que o texto da comissão não tenha efeito condenatório, sua leitura pública, prevista para a sessão legislativa subsequente, coloca ambos sob holofotes de um debate jurídico e político que promete se prolongar.

Até o momento, a Prefeitura de Itapeva não apresentou, de forma detalhada, um contra-relatório técnico que rebata ponto a ponto as conclusões da CEI. Nos bastidores, integrantes do governo argumentam que a contratação emergencial foi feita dentro dos parâmetros da Lei nº 14.133/2021, amparada por pareceres jurídicos internos e respaldada pela necessidade de manter a limpeza urbana sem interrupção. A narrativa oficial, ainda não formalizada, sugere que a escolha por dispensa de licitação teria sido motivada pela urgência em conter o avanço de mato e detritos em áreas públicas, especialmente após períodos de chuvas intensas.

O relatório da CEI, por sua vez, é contundente ao citar trechos de depoimentos que indicam pedido de alteração de dados para ajustar medições, alegadamente com a anuência de agentes públicos. Esse ponto, se confirmado, desloca parte do foco da investigação para possíveis conluio ou negligência administrativa, abrindo espaço para que órgãos externos exijam não apenas reparação financeira, mas também apuração de responsabilidade individual de servidores e representantes da contratada.

Politicamente, a reação do Executivo deve seguir um roteiro conhecido em crises administrativas: minimizar o impacto das conclusões, reforçar que não há decisão judicial definitiva e enfatizar que a Prefeitura colaborou com todas as etapas da investigação. Essa estratégia, contudo, pode não ser suficiente para conter a pressão popular, especialmente em um contexto de crescente desconfiança nas contratações emergenciais. A ausência de respostas objetivas sobre critérios de escolha da empresa, valores praticados e formas de medição pode se converter em combustível para novos questionamentos legislativos e midiáticos.

Do ponto de vista da comunicação institucional, é provável que a Prefeitura adote um discurso ancorado na legalidade formal do processo, evitando entrar em detalhes técnicos que possam gerar novas frentes de ataque. Já a empresa, diante da possibilidade de investigações mais profundas pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas, tende a priorizar a preservação de sua imagem, evitando declarações públicas que possam ser usadas como prova em eventual processo judicial.

O histórico recente da política itapevense mostra que a gestão de crises envolvendo contratos públicos exige respostas rápidas e fundamentadas. Casos como o das notas frias na gestão Cavani demonstraram que o vácuo de comunicação oficial permite que narrativas paralelas ganhem força e consolidem uma percepção negativa duradoura. Nesse sentido, tanto o Executivo quanto a contratada enfrentam não apenas um desafio jurídico, mas também uma batalha de opinião pública.

O próximo movimento, portanto, será decisivo: apresentar provas documentais, laudos técnicos e registros que sustentem a legalidade e a execução correta dos serviços ou, na ausência desses elementos, preparar uma estratégia de mitigação de danos que preserve, tanto quanto possível, a integridade política da gestão e a reputação comercial da empresa.

 

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