TCE reprova contas do ex-prefeito Mário Tassinari em 2022, rombo de R$ 43 milhões e irregularidades escandalosas
Parecer de Dimas Ramalho aponta déficit de R$ 43 milhões, descontrole contábil, irregularidades em contratações e caos na educação, saúde e gestão ambiental; caso será enviado ao Ministério Público
A crônica do fracasso administrativo em Itapeva ganhou um novo capítulo em 2 de abril de 2024, quando a Primeira Câmara do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, sob a relatoria do conselheiro Dimas Ramalho, decidiu rejeitar as contas da Prefeitura relativas ao exercício de 2022. Sob a batuta do então prefeito Mário Sérgio Tassinari, o município amargou um déficit de R$ 43,4 milhões, equivalente a quase 10% da arrecadação anual, um rombo que supera em mais de um mês a Receita Corrente Líquida. É um retrato cristalino de má gestão orçamentária, agravado pelo descaso com setores fundamentais como educação, saúde e meio ambiente. O tribunal não hesitou: o parecer foi desfavorável, com recomendação de envio ao Ministério Público Estadual para investigação das responsabilidades.
As contas expõem uma rotina de improviso. O déficit não foi acompanhado de plano de contenção de despesas, tampouco de um esforço para equilibrar receitas e gastos. A omissão fica ainda mais escandalosa quando se observa o tratamento dado à dívida ativa municipal, que deveria representar a recuperação de créditos públicos. Em vez disso, houve um cancelamento vultoso, 412% maior que no ano anterior, sem justificativas plausíveis. Para piorar, a diferença entre os valores registrados na contabilidade e os apontados pelo sistema de controle interno chegou a R$ 7,2 milhões, um abismo que mina a credibilidade das finanças municipais. É como se a Prefeitura tivesse perdido a bússola e seguisse navegando às cegas no mar revolto das contas públicas.
A negligência contábil se soma ao retrato devastador da rede de ensino municipal. O TCE registrou escolas com carteiras quebradas, lousas danificadas, mofo nas paredes, portas destruídas, sanitários interditados e fiação elétrica precária. As visitas técnicas encontraram um cenário que desmente qualquer discurso oficial de investimento em educação. Some-se a isso o descumprimento do percentual mínimo de alunos atendidos em período integral e a falta de condições para que o Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb exercesse suas funções. Como se não bastasse, o município ainda ousou contabilizar despesas de psicologia educacional como se fossem do Fundeb 70%, expediente irregular que revela o improviso travestido de gestão.
Se nas escolas a cena é de abandono, nas unidades de saúde a paisagem não é melhor. De acordo com o relatório, 40 das 42 unidades necessitavam de reparos urgentes, e uma obra de UBS no bairro Caputera permanecia paralisada. Em plena pandemia de dívidas e carências, o município não garantiu a estrutura mínima para atendimento médico digno. A inoperância atinge também o Conselho Municipal de Saúde, que sequer recebeu o Relatório Anual de Gestão no prazo legal. É a velha prática de esconder números desconfortáveis debaixo do tapete, como se a omissão fosse capaz de curar a enfermidade da má gestão.
No campo ambiental, o vexame se materializa no descarte de lixo em área interditada e sem licença ambiental. O chamado “vazadouro municipal” virou sinônimo de irregularidade, com presença de animais e até moradias irregulares dentro da área de descarte. O quadro é tão grave que o TCE determinou à Prefeitura a obrigação de estruturar o local, separar adequadamente os resíduos e impedir o acesso livre de pessoas. Nada disso foi feito em 2022, o que reforça a imagem de um poder público que se acostumou a conviver com o inaceitável.
Outro ponto corrosivo das contas está na gestão de pessoal. O tribunal identificou contratações sem concurso público, como no caso dos instrutores de música, além de cargos comissionados preenchidos sem observar os requisitos constitucionais de direção, chefia ou assessoramento. A farra se completa com o pagamento abusivo de horas extras: aproximadamente um terço dos servidores embolsou adicionais vultosos, sem controle adequado de frequência. É o retrato de uma administração que transformou a folha de pagamento em território de privilégios, sem transparência nem critério. Para completar o descalabro, parte dos agentes políticos sequer apresentou a obrigatória declaração de bens, ignorando a Lei de Improbidade.
O parecer destaca que, embora as obrigações constitucionais mínimas tenham sido cumpridas — como os 25% na educação e os 15% na saúde —, os números não se traduziram em melhorias concretas. Em outras palavras, houve gasto, mas não houve resultado. O Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEGM) se manteve baixo, com nota geral “C” (nível de adequação insuficiente), e recuos em áreas estratégicas como fiscalização e educação. O dinheiro, quando não se perdeu em equívocos contábeis ou cancelamentos de dívida ativa, se evaporou em estruturas sucateadas e obras paralisadas.
Diante de um mosaico tão amplo de falhas, o Tribunal de Contas não teve alternativa: determinou que a Prefeitura corrija a escrituração contábil, regularize os programas sociais instituídos fora dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, realize concursos públicos, limite o pagamento de horas extras, recolha as declarações de bens de seus agentes e providencie os laudos de vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) em todos os prédios públicos. Ao final, Dimas Ramalho votou pela emissão de parecer desfavorável, acompanhado do Ministério Público de Contas, e determinou a remessa do caso ao Ministério Público Estadual para apuração das responsabilidades civis e criminais.
A conclusão é cristalina: a gestão de 2022 em Itapeva foi um fracasso administrativo que combinou desequilíbrio fiscal, maquiagem contábil e desprezo pela infraestrutura básica. A cidade que já convive com desafios históricos recebeu, no relatório do TCE, um retrato devastador de sua realidade recente. A decisão agora está nas mãos da Câmara Municipal, que precisará julgar as contas à luz do parecer desfavorável. Resta saber se os vereadores se guiarão pela voz da população, cansada de improvisos e escândalos, ou se continuarão a cultivar a velha prática de blindagem política.

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