Polícia

Criança de 6 anos mantida em cárcere em Sorocaba não sabe falar, não come sólido e nunca teve os cabelos lavados

Caso resultou na prisão dos pais; criança foi acolhida e passa por exames médicos

Uma denúncia anônima levou à descoberta de um caso de cárcere privado que choca pela brutalidade e pelo abandono. Em Sorocaba, uma menina de seis anos foi encontrada vivendo em condições de isolamento absoluto dentro de uma casa no Jardim Santa Esmeralda. Segundo o Conselho Tutelar, a criança jamais havia frequentado escola, não tinha histórico de vacinação, nunca foi atendida em serviços de saúde e sequer possuía contato com outras crianças ou familiares.

Ao ser retirada do imóvel, a reação da menina impressionou os profissionais que a acolheram. “Quando nos encontramos com ela, estava muito apática. O cabelo tinha um nó único, como se nunca tivesse sido lavado. Ela estava sem se alimentar e ficou deslumbrada com tudo, com o mundo, como se nunca tivesse saído da casa”, relatou a conselheira tutelar Lígia Guerra.

A criança foi encaminhada a um abrigo e passou por exames médicos no Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS). Por causa do estado do cabelo, foi necessário cortá-lo. Os especialistas constataram que a menina não fala, apenas emite sons, e não consegue se comunicar. Ela também não se alimenta de comida sólida, apenas líquida, reflexo dos anos de privação e negligência.

De acordo com a Polícia Civil, os parentes da mãe não tinham contato com a menina desde quando ela tinha seis meses de vida. O pai, de 54 anos, teria isolado a família e imposto restrições também à esposa, de 45, que era obrigada a vender pães produzidos por ele e só podia voltar para casa depois de comercializar toda a produção. Segundo vizinhos, a mulher era submetida a humilhações, como ter a cabeça raspada e ser obrigada a usar roupas masculinas.

A investigação revelou ainda que a menina passava a maior parte do tempo em um quarto branco, dividido com os pais, onde havia apenas um colchão no chão e poucos brinquedos. Ela tinha acesso restrito a um celular usado apenas para assistir a vídeos pornográficos, mas não havia qualquer contato com televisão, internet ou o mundo externo. A perícia descartou abuso sexual, mas o aparelho será analisado detalhadamente.

Os pais foram presos em flagrante nesta quinta-feira, 4 de setembro, e permanecem sob custódia após audiência. Ambos respondem por sequestro e cárcere privado. A Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), comandada pela delegada Renata Zanin, conduz o caso. “Conversei com a genitora e ela parece não entender a gravidade da situação. A partir dos exames médicos, vamos determinar o que essa criança vai carregar para o resto da vida”, afirmou.

A descoberta só foi possível graças à denúncia de vizinhos, que relataram nunca ter visto a criança fora do imóvel, mas ouviam seus gritos quando a mãe saía. O episódio levantou questionamentos sobre falhas na rede de proteção, já que a menina não estava cadastrada em programas de saúde ou educação. Agora, caberá ao sistema de acolhimento e às equipes médicas reconstruir, com cuidado e acompanhamento intensivo, a infância que lhe foi negada.

 

Deixe um comentário