Política

Nepotismo em Itapeva e a política que veste nova roupa, mas caminha com as mesmas pernas

A política de Itapeva, cidade cuja história recente é marcada por um vaivém ético mais escorregadio do que firme, acaba de protagonizar mais um capítulo que, por mais que tente se fantasiar de avanço institucional, cheira à velha prática do "toma lá, dá cá". O foco: a famigerada lei do nepotismo, que proibiu nomeações de parentes até o quarto grau para cargos públicos. Uma proposta inicialmente aclamada como exemplo de moralidade, mas que, como já era de se esperar, acabou desidratada por conveniência — e agora caminha a passos largos rumo à anulação de seu conteúdo mais contundente, graças ao veto da prefeita Adriana Duch.


No centro dessa reviravolta está o Projeto de Lei nº 182/2025, apresentado na surdina após os ânimos acalmarem e as indicações políticas se consolidarem. A proposta reduz o alcance da vedação, restringindo o impedimento de nomeação apenas aos parentes até o terceiro grau. Na prática, livra da proibição aqueles casos que vinham sendo justamente expurgados pela legislação anterior, como primos, sobrinhos-netos e tios-avôs. A justificativa? Que a legislação de Itapeva seria mais rígida do que a Súmula Vinculante nº 13 do STF. Uma desculpa juridicamente rasa e politicamente conveniente.

O pano de fundo é claro. Após os vereadores conquistarem o que queriam — secretarias, cargos comissionados e influência direta na máquina pública — a pauta da moralidade foi posta de lado. Os mesmos parlamentares que antes bradavam por mais rigor agora marcham ao lado da prefeita Adriana Duch, em coro com a tentativa de desmanchar o texto da lei. A incoerência salta aos olhos. O que ontem era inaceitável, hoje se torna "adequação". O que antes era escândalo, agora se relativiza sob a égide de pareceres convenientes.

O veto de Adriana Duch é o ápice desse roteiro mal escrito. A prefeita, que nomeou a própria prima para a Secretaria da Saúde e foi duramente criticada, decidiu vetar integralmente a lei aprovada pela Câmara sob o argumento de "desproporcionalidade e afronta à razoabilidade". Na leitura de sua equipe jurídica, proibir nomeações de parentes até o quarto grau seria excessivo. Acontece que esse mesmo rigor havia sido defendido por diversos vereadores no calor da indignação pública. Mas bastou o tempo passar, os cargos serem garantidos e as promessas atendidas, para a pauta da ética ser tratada como exagero.

A hipocrisia institucionalizada não se envergonha nem tenta disfarçar. Basta olhar o comportamento da base governista. Vereadores que votaram contra o projeto original agora se dizem comprometidos com a "modernização" da norma. Outros que apoiaram a proposta com discursos inflamados sobre moralidade, hoje se calam ou mesmo apoiam a revisão que atende os interesses do Executivo. É a dança das cadeiras ideológicas, onde os princípios se moldam conforme a conveniência do cargo.

E tudo isso em nome de quê? De uma interpretação rasa da jurisprudência. A Súmula Vinculante nº 13 do STF, usada como escudo jurídico por Adriana Duch, define nepotismo como a nomeação de cônjuge ou parente até o terceiro grau. Mas o próprio Supremo já afirmou que os municípios podem, sim, estabelecer critérios mais rigorosos para garantir os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade. Ou seja: o argumento do veto é frágil. Serve apenas para dar verniz técnico a uma decisão puramente política.

A verdade é que, em Itapeva, a nova política é a velha política vestida com um figurino novo. Troca-se a retórica, muda-se a estética dos discursos, mas os métodos continuam os mesmos. A gestão atual, que se vendia como inovadora e comprometida com a transparência, se entrega agora aos mesmos vícios que historicamente empurraram a cidade para trás. A população, que por breves momentos acreditou assistir a um avanço institucional, assiste agora ao desmonte silencioso daquilo que poderia ter sido um marco moral.

Mais grave ainda é a manipulação da autoria do projeto de revogação. Circula nos bastidores que o Projeto de Lei nº 182/2025 foi apresentado apenas por dois vereadores, mas a versão publicada traz os nomes dos quinze parlamentares. Uma tentativa torpe de diluir a responsabilidade, de jogar a conta para todos, mesmo que nem todos tenham endossado a proposta. É um tipo de falsidade moral que precisa ser denunciada: a de atribuir coletivamente um projeto que tem donos bem definidos, mas que preferem se esconder atrás da covardia institucional.

O recado é cristalino: quando os acordos políticos são firmados nos bastidores, a ética é a primeira a ser rifada. Os interesses públicos viram moeda de troca. Os discursos moralistas dão lugar a votos silenciosos. E o povo, mais uma vez, assiste a tudo como espectador de um teatro onde a honestidade não sobe ao palco.

O veto de Adriana Duch, portanto, não é apenas um ato administrativo. É uma escolha simbólica. Uma declaração pública de que o interesse da gestão é manter o controle político, ainda que para isso seja necessário recuar em um tema que, até pouco tempo, era tratado como pilar de uma gestão moderna. Ao se aliar aos interesses da base que tanto criticou, a prefeita oficializa o casamento com a velha política — aquela que troca cargos por fidelidade, que recompensa aliados com nomeações e que trata a administração como um feudo familiar.

A Câmara agora tem a chance de escrever um novo desfecho. Cabe aos vereadores derrubarem o veto e restabelecerem a integridade da lei aprovada. Mas é difícil acreditar que isso ocorrerá, dado o atual clima de conivência. O mais provável é que o veto seja mantido, enterrando de vez a esperança de uma política mais decente.

Itapeva segue sendo a cidade onde a política caminha para trás. Onde os avanços duram pouco. Onde a ética serve apenas como enfeite de palanque. Onde o interesse coletivo perde todas para os arranjos de bastidor. Mas, ainda assim, é preciso registrar: houve um momento em que a cidade tentou mudar. Um momento em que a moralidade venceu por uma noite. E isso, por si só, já incomoda os que sempre lucraram com o atraso.

Daniel Melo — MTB 88257/SP — Editor-chefe, Jornal No Alvo

 

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