Unesp identifica antígenos que podem ajudar no tratamento de doença de pele
Pitiose é uma doença tropical caracterizada por
feridas na pele e ocorre tanto em humanos quanto em cavalos e outros animais
Durante suas aulas na Universidade Estadual Paulista
(Unesp), em Botucatu, a professora Sandra de Moraes Gimenes Bosco costuma
dizer que a pitiose é uma doença tropical negligenciada até mesmo pela lista
de doenças tropicais negligenciadas da
Organização Mundial da Saúde (OMS), que enumera 20 moléstias que acometem sobretudo
populações pobres e não possuem tratamentos eficazes. O grupo da pesquisadora
acaba de trazer mais visibilidade à enfermidade – que é caracterizada por
feridas na pele e ocorre tanto em humanos quanto em cavalos e outros animais –
ao identificar sete potenciais antígenos que podem ajudar no diagnóstico e no
tratamento.
Resultados do trabalho, apoiado pela FAPESP (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), foram publicados no Journal
of Fungi.
“Encontramos sete antígenos comumente encontrados no soro
sanguíneo de equinos e humanos que tiveram pitiose. São proteínas com uma
antigenicidade alta, ou seja, que têm grande capacidade de serem reconhecidas
pelo sistema imune. Além disso, em simulações computacionais, essas moléculas
foram detectadas por linfócitos B, células do sistema imune responsáveis pela
produção de anticorpos. Por isso, são bastante promissoras para o diagnóstico
da doença”, explica Jéssica Luana Chechi,
primeira autora do estudo, realizado durante seu doutorado no
Instituto de Biociências de Botucatu (IBB-Unesp), sob orientação de Bosco.
“É uma doença de diagnóstico, tratamento e prognóstico
bastante complexos. Pode ser erroneamente diagnosticada como infecção por fungo
zigomiceto, porque os organismos são morfologicamente parecidos, mas o causador
da pitiose não responde aos antifúngicos existentes. Por isso, a infecção só
pode ser tratada com a retirada em extensão e profundidade da lesão. Dependendo
da região do corpo afetada, porém, não há muita margem para a cirurgia e o
desfecho pode ser a amputação do membro acometido em humanos ou, no caso dos cavalos,
o sacrifício”, explica Bosco, professora do IBB-Unesp que coordenou o
estudo.
O trabalho integra projeto apoiado pela
FAPESP e coordenado pela pesquisadora. Foi parcialmente realizado durante estágio de pesquisa
de Chechi na Universidade Mahidol, na Tailândia.
Falso fungo
O agente causador da pitiose é o oomiceto Pythium
insidiosum, um falso fungo. Visto num microscópio, o organismo é bastante
parecido com os fungos. Embora tenha outras semelhanças na reprodução e no
ciclo de vida, na verdade pertence a outro reino. Daí parte da explicação por
não responder aos medicamentos antifúngicos disponíveis no mercado. Na sua
forma sistêmica, a doença pode causar oclusão de artérias e levar à morte.
O P. insidiosum vive em ambientes de água parada e
suas células reprodutoras (zoósporos) adentram o tecido de plantas aquáticas ou
de feridas previamente existentes em mamíferos, onde seu ciclo de vida
continua. No Brasil, é bastante comum em cavalos, sobretudo no Pantanal, mas
ocorre em outras regiões. Em 2019, por exemplo, um surto acometeu cinco cavalos
em apenas nove dias em propriedades rurais próximas ao rio Tietê, na região de
Botucatu.
Curiosamente, na Tailândia, o primeiro caso relatado em um
cavalo ocorreu apenas em 2018. No país do sudeste asiático, a pitiose é
considerada uma doença ocupacional, pois afeta principalmente plantadores de
arroz, com lesões nas pernas que levam à amputação dos membros. Um único caso
em humanos foi relatado no
Brasil até hoje, em 2002, embora os pesquisadores desconfiem que outros relatos
só não ocorreram devido ao desconhecimento dos profissionais de saúde sobre a
doença.
A própria Bosco conta que só teve conhecimento da pitiose no
fim de seu doutorado, em 2002. Na ocasião, chegou ao laboratório onde realizava
seus estudos uma amostra de peça cirúrgica retirada de um homem internado no
Hospital das Clínicas de Botucatu com uma grave lesão na perna. Vários
tratamentos haviam sido tentados e chegou-se a cogitar a amputação, mas depois
de uma ampla cirurgia na região a infecção foi controlada.
“Foi aí que isolamos daquela amostra o que achávamos ser
um fungo. Quando sequenciamos uma região específica do DNA e comparamos com um
banco de dados, o resultado apontou para o P. insidiosum. Começou aí meu
interesse por ele”, lembra Bosco, que é médica veterinária e, ao longo dos
anos, realizou outros diagnósticos do tipo em cavalos e cães.
Além do desconhecimento acerca da doença, a inexistência de
antígenos (proteínas que servem como biomarcadores da infecção) é um dos maiores
obstáculos para diagnosticar a pitiose. Apenas após uma série de procedimentos
laboratoriais onerosos e demorados é possível identificar com precisão o agente
infeccioso.
Antígenos
Para encontrar os antígenos no trabalho atual, os
pesquisadores primeiro isolaram o P. insidiosum a partir das feridas
de cavalos infectados. Em seguida, o oomiceto foi exposto ao soro do sangue de
22 cavalos e dez humanos que haviam desenvolvido a doença anteriormente,
respectivamente no Brasil e na Tailândia.
Em testes desse tipo, espera-se que os anticorpos criados
pela infecção prévia se liguem às proteínas do agente infeccioso. Soro
sanguíneo de equinos e humanos saudáveis foram usados como controle, a fim de
garantir que as proteínas encontradas são específicas da infecção pelo falso
fungo.
Foram detectados diversos antígenos que responderam ao
isolado, mas sete chamaram a atenção dos pesquisadores, entre outras
características, por serem reconhecidos tanto em cavalos quanto em humanos.
Entre as proteínas encontradas estão algumas que desempenham papel crítico em
vários processos biológicos envolvendo o estresse celular relacionado a
mudanças de temperatura; outras são essenciais no desenvolvimento do P.
insidiosum, pelo papel que exercem na formação da parede celular. Há ainda
outras duas que interagem com células de defesa (macrófagos).
Agora, as pesquisadoras de Botucatu pretendem purificar
algumas dessas proteínas para testar seu potencial como marcadores para testes
diagnósticos ou mesmo para o desenvolvimento de novas vacinas. Atualmente,
existe um imunizante para a pitiose desenvolvido por pesquisadores da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em parceria com a Embrapa Pantanal.
A Pitium-Vac, porém, tem uso terapêutico e não para prevenir
a doença. É obtida a partir de um macerado do oomiceto, portanto, com antígenos
totais, e não específicos como os encontrados no estudo atual.
“No mundo ideal, teríamos um teste imunocromatográfico
que poderia diagnosticar a doença com apenas uma gota de sangue. Muita pesquisa
ainda será necessária para isso, mas já demos o primeiro passo”, encerra
Chechi.
O artigo Prospecting Biomarkers for Diagnostic and
Therapeutic Approaches in Pythiosis pode ser lido em: https://www.mdpi.com/2309-608X/7/6/423/htm.

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