Editorial

Municípios fechados para balanço

Em muitos discursos dos prefeito da região se escuta a velha expressão: “É no município que as pessoas vivem”. A expressão atesta uma obviedade que implica em uma série de problemas aos prefeitos que sonham "ser o melhor prefeito de todos os tempos" seja desta ou daquela cidade da região.  

Mais do que um simples slogan de palanque, a frase ressalta a responsabilidade que repousa sobre os ombros daqueles em que os cidadãos depositaram, através do voto, a esperança de dias melhores: os prefeitos. 

Desde que a Constituição Federal lhes garantiu autonomia política, administrativa e financeira, os municípios são constantemente desafiados a cumprir suas metas administrativas, às vezes, sem o devido amparo dos governos estadual e federal. Por isso, faz-se necessária uma gestão atualizada, eficiente e, sobretudo, coordenada por uma equipe coesa, tecnicamente preparada e conhecedora das informações relevantes para enfrentar os desafios do cotidiano da cidade, atento nos princípios que norteiam a administração pública definidos na Constituição Federal: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.

Longe de ser repetição do discurso surrado daquele vereador com uma dúzia de mandatos, temos que concordar que uma gestão de qualidade, de resultados, de boas práticas políticas e administrativas exige organização, percepção e humildade para ouvir sugestões por vezes simples, mas que podem resultar na solução de problemas complexos. É o chamado diálogo, que aqui e acolá os edis nas tribunas do Poder Legislativo tanto cobram dos prefeitos que conduzem as cidades da nossa região.
Uma boa administração não pode renunciar a um bom planejamento e, esse, por sua vez, requer um diagnóstico realista. Em busca de apoio, às vezes são assumidos compromissos sem buscar dados concretos. É necessário reunir as informações que garantam a tomada de decisões no processo de gestão pública. 

Diante desse quadro, comum em muitos municípios, quem melhor para ajudar nessa tarefa, senão o próprio cidadão munícipe? Não podemos ignorar que cada vez mais a sociedade se organiza em busca de melhores condições de vida, em busca da verdadeira cidadania. Garantir a participação definindo prioridades, consolidando um orçamento integrado e participativo, é a melhor forma de assegurar a construção do futuro desejado para o município onde vivemos.

Como dizer a verdade para qualquer prefeito desmiolado é um ato de bravura e muitas vezes interpretado como uma declaração de guerra contra o mesmo, seja por parte dos vereadores ou qualquer cidadão que milite politicamente, é nesse território pantanoso e campo minado que imprensa escrita faz também sua trincheira no campo de batalha por melhorias das cidades. 

“A verdade é uma mercadoria que as massas não podem ser induzidas a comprar”, lembrando que este fenômeno comunicacional é capaz de dar “vida ou morte aos políticos”, disse o jornalista americano L. H. Mencken, em 1880. Por isso, políticos, em sua maioria, odeiam a imprensa que não os elogia, mas que aponta seus deslises. Aliás, por ter tanto poder junto à sociedade, a imprensa foi apontada, em 1928, pelo inglês Lord Macaulay, como o “quarto poder”, responsável por controlar os abusos dos poderes constituídos contra a população que na maioria das vezes não tem voz ativa para interferir e manifestar-se.

A mania habitual e sistemática dos prefeitos desmiolados e enrolados pela teia de bajuladores da bolha de puxa sacos dos gabinetes torna os vereadores, os cidadãos e principalmente a imprensa local inimiga mortal desses desajuízados quem governam ou desgovernam as cidades que vivemos.

Alguns prefeitos só gostam de imprensa chapa branca, que os elogie e esteja sempre a endossar suas enganações, suas meias verdades, seus engôdos, suas jogadas interesseiras, e até seus ressentimentos e decepções contra a edilidade ou algum grupo de cidadãos que reivindica alguma coisa. Como por exemplo, dar voz aos apelos de cidadãos, pais e mães de filhos autistas ou protetores da causa animal, que pedem encarecidamente para que seja cumprida diuturnamente a legislação municipal para uso de fogos de artifícios sem estampidos até em eventos patrocinados pela própria prefeitura.

Para não ir muito longe, ou de modo mais generalizado, a sociedade pede quase aos berros que os prefeitos não sejam hostis e truculentos. O povo pede nas ruas e redes sociais que o prefeito escute a acate as vozes das ruas e tribunas da Câmara Municipal para que gastos demasiados e excessivos com decorações e festas natalinas seja riscado das pretensões do Poder Executivo. Pedem, até imploram, fazendo essa súplica recorrente justamente porque nesse período de pós-pandemia, pois entedem de forma coletiva que é mais justo e recomendável ser solidário com as pessoas mais vulneráveis e comedido com gastos supérfluos que nada agregam a vida das pessoas mais necessitadas da população. Todos de acordo com isso? Ou haverá algum iluminado, ponto fora da curva, que discorde do senso de razoabilidade de quem sofreu na pele os tempos mais dificultosos da pandemia?

Como dito anteriormente, alguns prefeitos e suas seitas de puxadores de saco chegam a tratar a imprensa como inimiga caso revele seus deslises na gestão da coisa pública, obras e serviços. Os vereadores bem intencionados e imbuídos de espírito público elevado, por mais escassos que sejam nos tempos de agora, também são tratados da mesma forma.  O cidadão isolado que se atreve a reclamar, nem se fale, esse sofre um cala boca mais forte ainda se não tomar os devidos cuidados. 

A atitude equivocada desses prefeitos é nociva a qualquer cidade que melhorias e maior transparência na gestão, justo porque a imprensa garante tanto ao cidadão comum, como aquele que representa os cidadãos na edilidade, como aqueles que governam ou administram a coisa pública, o exercício da democracia, fazendo valer os direitos das classes minoritárias, dando notoriedade ao trabalho desenvolvido dentro da gestão pública, haja vista ser (no caso da imprensa escrita) o veículo divulgador (sem filtros) das matérias produzidas livremente pelas próprias prefeituras. 

Sabendo que o papel da imprensa e edilidade é verificar fatos e efeitos sobre tomadas de decisões da administração pública municipal, levando ao cidadão o que acontece e quais são as  implicações das decisões do Poder Executivo, é precisamente nesse ponto que surge a pirraça e tirania dos prefeitos turrões e mandões, aqueles que querem que suas vontades sejam sempre aceitas, acatadas e cumpridas sem questionamentos, sendo assim cumpridas calando críticas merecidas dos vereadores e imprensa, sem que nenhuma espécie de contrariedade e verificação dos fatos e fundamentos dessas decisões seja levada à cabo. 

Por vezes, o que se percebe é que o gestor público malcriado está preocupado tão somente com a sua exposição pessoal, partidária e de grupo, desde que seja positiva, obviamente. Porém, sabe-se também, que a informação de interesse público é um bem social que não pertence ao gestor público. O direito de opinar sobre a administração municipal e informar a população não pertence ao prefeito. Pertence a toda sociedade democrática livre de censuras. 

O gestor público tem a obrigação de prestar contas de suas ações e omissões, e mais, explicar à massa os motivos de suas atitudes. A propósito: Por que alguns prefeitos e cargos indicados pelos mesmos tentam inibir, intimidar, amordaçar a imprensa e câmaras municipais e até depreciar seus editores e vereadores? A resposta é clara. Porque têm medo de que seus malfeitos por ação ou omissão sejam revelados!
Aliás, se o administrador público não cometeu e nem está cometendo erros e nem se omitiu ou está se omitindo de fazer o que lhe cabe por obrigação legal, certamente não teria do que temer, restringir e, muito menos ter ódio pela imprensa e debate travado nas casas legislativas municipais.

Do ponto de vista político, tem gente que estando no poder cria a sensação e consciência pessoal de que ele é um ser indispensável e insubstituível. Nesse sentido, Robert Michels sustenta: A consciência do poder provoca sempre, naquele que o detém, a vaidade de se julgar um grande homem. O desejo de dominar, para o bem ou para o mal, está adormecido no fundo de toda alma humana. Trata-se de um ensinamento elementar da psicologia. 

A consciência de seu valor pessoal e da necessidade de que têm os homens de serem guiados e dirigidos, estimula a quem está no poder o sentimento de superioridade e de convicção de que é indispensável. Por isso, quase que invariavelmente, quem quer que tenha conseguido alcançar o poder procurará, regra geral, consolidá-lo e ampliá-lo, multiplicar as defesas em torno de sua posição, a fim de torná-la inatacável e de subtraí-la ao controle de quem não tem acesso aos meios de poder e decisão. 

Por fim, é preciso pontuar que subestimar a inteligência, a capacidade de percepção da população e senso coletivo de cidadania, crendo ser o único capaz de decidir tudo em nome do povo, é simplesmente vaidade insana e arrogância leviana fruto da pobreza de espírito, ignorância e prepotência doentia.

Os prefeitos de municípios nessa situação precisam fechar para balanço e rever suas atitudes de governo realizadas em 2021. Em 2022 é preciso que como gestores de bens e recursos públicos, sejam mais sensatos e humildes, estando dispostos a ouvirem a voz da população e abertos ao diálogo com as representações sociais e políticas legitimamente constituídas nos municípios que governam.

Quem vive no município são cidadãos e não súditos de tiranos de um reinado absolutista. Sendo assim, os prefeitos devem prestar contas de suas decisões sem fugirem desse dever, e além disso, estarem dispostos a seguirem direções de governabilidade com base em propostas de gestão pública feitas pelas representações políticas da sociedade.

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